Palestraram Tatiane Lima, Valéria Scarance e Nálida Monte.
A programação do curso de extensão universitária Temas relevantes de Direito Penal da EPM foi encerrada no dia 4 com debate sobre os temas “Violência doméstica e familiar – alcance da Lei 11.340/2006, tipos penais aplicáveis, medidas protetivas, viabilidade de prisão preventiva e sua duração, medidas cautelares alternativas e visão dos órgãos atuantes na matéria”. As exposições foram feitas pela juíza Tatiane Moreira Lima, pela promotora de Justiça Valéria Diez Scarance Fernandes e pela defensora pública Nálida Coelho Monte, com a participação do juiz Ulisses Augusto Pascolati Junior, coordenador do curso.
Ao iniciar as exposições, Tatiane Lima salientou que a violência de gênero ocorre principalmente no ambiente escolar e universitário, nas ruas, no ambiente profissional, nos hospitais, no ambiente político, nas redes sociais e no ambiente doméstico e familiar. Ela ressaltou que é preciso analisar porque o Brasil é o quinto país do mundo em número de homicídios de mulheres. E destacou que a Lei Maria da Penha tem dois objetivos, quais sejam, a prevenção e a repressão dos crimes, e estabelece uma série de medidas de proteção criando mecanismos para proteger as mulheres, reprimir os crimes e prevenir novos crimes. “Para interpretar a Lei Maria da Penha precisamos nos ater aos fins sociais a que ela se destina, com foco na condição de vulnerabilidade da mulher em situação de violência doméstica e familiar, submetida a atos de opressão, por meio de uma relação de poder e submissão”, salientou.
Tatiane Lima explicou os pressupostos e requisitos para a incidência da referida lei, os tipos de violência (física, psicológica, sexual, patrimonial e moral), o ciclo vicioso da violência (explosão, arrependimento e lua de mel), os fatores que levam a vítima a silenciar e a aplicação das medidas protetivas de urgência, destacando dentre elas o encaminhamento do agressor para programas de ressocialização, onde se discute a masculinidade, como sendo uma das medidas mais efetivas. “A taxa de reincidência diminui de 77% para 6%. Ele deixa de agredir aquela mulher e as novas companheiras”, ressaltou. Ela explicou as consequências do descumprimento das medidas protetivas e o uso da prisão preventiva quando as outras medidas protetivas não forem suficientes.
Valéria Scarance explicou diversos contextos históricos que demonstram discriminação e violência de gênero arraigados no modelo socioeconômico e cultural. “É mais fácil mudar a lei do que mudar a mentalidade milenar de uma sociedade”, ponderou. Ela explanou sobre a síndrome do desamparo aprendido, pela qual quando ocorrem episódios de violência associados à sensação de impotência, a pessoa se torna incapaz de reagir, mesmo quando se apresentam melhores possibilidades de reação. Acrescentou que em média as mulheres demoram dez anos para noticiar a situação e somente o fazem quando entendem que estão correndo risco de morte. Ela destacou a instituição – em conjunto pelo CNJ e pelo Conselho Nacional do Ministério Público – do formulário nacional de avaliação de risco, que deve ser utilizado para avaliar o grau de risco ao qual a mulher está submetida. E explicou as novas tipicidades penais envolvendo a proteção da mulher e da sua intimidade.
Nálida Monte dissertou sobre os principais desafios e resistências para a efetiva aplicação da Lei Maria da Penha e como a Defensoria Pública os enfrenta. Do ponto de vista teórico e conceitual, mas com reflexos na parte prática, salientou que o Direito não é neutro, que o debate jurídico é invadido pela realidade prática e pela tradição sociocultural, que muitas vezes reforça o estereótipo e o estigma de gênero tradicionais, a dificultar a efetividade da Lei.
A palestrante destacou as dificuldades práticas na aplicação das medidas protetivas para garantir a autonomia das mulheres e o seu tratamento como sujeitos de direitos e não apenas como objeto de provas. Ela salientou a desnecessidade do boletim de ocorrência policial para a concessão das medidas protetivas, por ser procedimento independente, e a desnecessidade de fixar um período específico para certas medidas. Discorreu sobre os requisitos para medidas específicas, como o afastamento do lar e a suspensão do porte de arma e a necessidade de se rever diversas exigências que entende inapropriadas para a concessão dessas e de outras medidas, como a prova de propriedade do imóvel ou a exigência de prova de que a arma tenha sido usada para a prática da ameaça, a duração da relação, entre outras. “Isso é muito comum e as medidas de guarda são muito pouco deferidas. Essa violência doméstica é presenciada por crianças e adolescentes e os seus efeitos indiretos em relação a essas crianças e adolescentes são subestimados quando a medida de restrição ou suspensão da guarda paterna não é deferida”, salientou.
Por fim, Nálida Monte destacou a desproteção de grupos específicos, principalmente as mulheres negras, onde se observa o aumento do feminicídio em relação às mulheres brancas. Explanou a respeito dos desafios estruturais relacionados ao pouco número de juizados especiais de violência doméstica e a necessidade de se considerar a competência híbrida (cível e criminal) dos juizados especiais de violência doméstica. “A ideia é apresentar uma resposta não apenas de natureza penal, mas integral e efetiva, para garantir o enfrentamento da violência doméstica em toda a sua complexidade”, ponderou. E explicou como a Defensoria Pública vem atuando para superar obstáculos e problemas estruturais internos.
RF (texto)