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Justiça Restaurativa: uma perspectiva para a solução de conflitos

 TJSP é modelo para todo o país.

 
Com visão multidisciplinar, a Justiça Restaurativa (JR) agrega princípios, técnicas e atividades para conscientizar vítima, agressor, familiares e comunidade envolvida sobre os fatores geradores da violência e para construir soluções consensuais para os conflitos, por meio de métodos autocompositivos. O objetivo é a transformação da convivência com foco na não violência. Segundo relatório de 2023, foram 1.451 processos encaminhados pelos juízos de origem aos núcleos de JR, totalizando quase 2,5 mil encontros com as partes e mais de 3,3 mil pessoas impactadas. 
Entre as técnicas mais conhecidas utilizadas pela JR estão os círculos de construção de paz ou processos circulares, que promovem o diálogo e contribuem para que os envolvidos no conflito compreendam os fatos e suas causas motivadoras, a fim de que os danos sofridos pela vítima sejam reparados e ela se sinta acolhida e apoiada na ressignificação e superação dos acontecimentos, bem como para que, a partir da reflexão e da construção do senso de responsabilidade, o agressor não volte a reincidir. Busca-se o atendimento das necessidades de todos os envolvidos, com participação direta da comunidade. Ao final, planos de ação são construídos para que todos atuem nos fatores estruturais que contribuíram para o ocorrido e a situação não volte a acontecer. Todo o processo é realizado com o auxílio de facilitadores, profissionais de diversas áreas que podem ou não ser servidores do TJSP, e que participam de formações na Escola Paulista de Magistratura (EPM) ou em outras instituições que sigam os parâmetros curriculares estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Para a JR, além da responsabilização e corresponsabilização, é importante que haja a compreensão sobre todos os fatores motivadores da violência – relacionais, institucionais e sociais. “A JR procura compreender as causas mais profundas que contribuíram direta ou indiretamente para o conflito, por meio de atividades e encontros coordenados por um facilitador. Nesse contexto, são construídos acordos e atos que permitem não só a reparação do dano, mas evitam que a situação volte a acontecer”, explica o responsável pelos trabalhos do Grupo Gestor da Justiça Restaurativa (GGJR) e integrante da Coordenadoria da Infância e Juventude (CIJ), juiz Egberto de Almeida Penido. Ele também destaca que a vítima é central na prática restaurativa. “Os encontros permitem que a vítima, que está fragilizada, possa ressignificar a situação e seguir adiante. Para isso, é preciso ouvi-la e entender quais são suas necessidades”, evidencia.  Ao final do processo, um plano de ação idealizado em conjunto com todos os participantes é enviado ao juiz da causa, para homologação.
Entre os critérios levados em consideração para a derivação – encaminhamento do caso pelo juiz à JR – estão a existência do núcleo de JR no fórum ou comarca; a concordância do Ministério Público, da Defensoria Pública e do magistrado; a voluntariedade dos envolvidos, já que não é possível obrigá-los a participar; que o núcleo esteja preparado para receber o caso concreto, com estrutura e servidores especializados no assunto em questão, entre outros. “A análise considera as peculiaridades de cada caso. Será levado em conta se as partes possuem vínculos prévios, convivem nos mesmos ambientes, a existência ou não de relações de poder entre as partes e outros fatores subjetivos”, esclarece o juiz Egberto de Almeida Penido. 
A presença da JR cresce nas comarcas do estado. Além da Capital – Central, Brás e Santo Amaro –, há unidades nas comarcas de Avaré, Barueri, Boituva, Campinas, Itajobi, Itapetininga, Laranjal Paulista, Maracaí, Marapoama, Nova Odessa, Ourinhos, Ribeirão Preto, Santos, São Caetano do Sul, São José do Rio Preto, São Vicente, Sertãozinho, Sorocaba, Tatuí e Tietê. Saiba como implantar a JR em sua comarca –  clique aqui.
 
Diversas frentes
Embora a política de Justiça Restaurativa do TJSP esteja estruturada institucionalmente na Coordenadoria da Infância e Juventude, pode ser aplicada em diversas áreas. A juíza auxiliar de Ribeirão Preto Carolina Moreira Gama cita a utilização nas demandas relacionadas à violência doméstica e explica que, em sua comarca, foi importante repensar os formatos mais tradicionais da JR. Por exemplo: a metodologia integra todos os envolvidos em um processo circular, mas, nesses casos, a vítima pode optar por não se encontrar com o agressor, para garantir a segurança, o fortalecimento, o sigilo e demais cuidados. “A inserção do ofensor em práticas restaurativas continuadas e direcionadas se mostrou muito mais capaz para reeducá-lo do que o simples cumprimento de determinadas penas, especialmente aquelas com dimensionamento reduzido frente a conflitos tão complexos”, salienta.
Ela destaca, ainda, que a JR “não simplifica processos e nunca desautoriza a mulher”. “Trata-se de técnica eficiente de responsabilização e que compreende, escuta e acolhe a vítima em sua condição e necessidades.” Foram mais de 800 atendimentos realizados na comarca somente na área de violência doméstica, entre janeiro e maio deste ano.
O juiz da Vara do Juizado Especial Cível e Criminal de Tatuí e coordenador substituto do Grupo Gestor da JR, Marcelo Nalesso Salmaso, aborda a aplicação das práticas restaurativas no ambiente escolar. “É possível utilizar um conjunto de ações para reconhecer e superar as violências estruturais – de raça, gênero, origem social, orientação sexual e religiosa, dentre outras – e institucionais”, esclarece.  Com isso, a JR também promove a sensação de pertencimento a alunos, professores e gestores, de forma a gerar um sentimento de cuidado consigo, com o outro, com a própria escola e com a comunidade. “Nenhuma instituição pode, sozinha, dar conta do fenômeno complexo da violência, mas toda a comunidade e suas instituições, unidas, são capazes de promover transformações na convivência que trazem impactos profundos e positivos na questão da violência”, ressalta o juiz.
 
Histórico
São Paulo foi um dos pioneiros no Brasil na implementação da JR, que iniciou projetos na área da Infância e Juventude e em parceria com escolas públicas, em meados de 2005, nas comarcas de São Caetano do Sul, Capital (região de Heliópolis) e Guarulhos. Em 2008, a CIJ incluiu a JR em seu rol de políticas e ações institucionais e, em 2011, um grupo de magistrados passou a pensá-la como política pública no âmbito do Judiciário paulista. Em 2014, a Corregedoria Geral da Justiça (CGJ) editou a primeira normativa sobre o tema do país, o Provimento CG nº 35/14, que definiu o termo e dispôs sobre sua implementação, inspirando a edição da Resolução nº 225/16, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). 
Atualmente, o Serviço de Justiça Restaurativa conta com assistentes sociais, psicólogos e servidores responsáveis pelo suporte ao Grupo Gestor da JR, composto pelos desembargadores que integram a CIJ, quatro juízes e uma assistente social. Já em 2017, o Conselho Superior da Magistratura (CSM) editou o Provimento CSM nº 2.416/17, reconhecendo o GGJR como órgão responsável pela difusão, implementação, execução e acompanhamento da JR no estado. A equipe, em parceria com a Escola Paulista da Magistratura (EPM) e, mais recentemente, com o Instituto Paulista de Magistrados (Ipam), atua emformações sobre JR, práticas e teóricas, presenciais e em EaD, para todo o país. 
O TJSP também marca presença no Comitê Gestor Nacional do CNJ, por meio da participação dos juízes Egberto de Almeida Penido e Marcelo Nalesso Salmaso.
 
FAQ – Perguntas Frequentes sobre Justiça Restaurativa aqui.
 
 
*N.R.: Texto originalmente publicado no DJE de 24/7/24.
 
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