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Caso Mércia – recebimento da denúncia

       O juiz da Vara do Júri de Guarulhos, Leandro Jorge Bittencourt Cano, recebeu, em parte, denúncia oferecida pelo Ministério Público de São Paulo contra Mizael Bispo de Souza e Evandro Bezerra Silva, como incursos no art. 121, § 2º, I, III e IV, e art. 121, § 2º, III e IV, na forma do art. 29, todos do Código Penal.

Leia a íntegra:

PODER JUDICIÁRIO

                                  Feito n° 572/10

                                   Recebo, em parte, a denúncia, dando os réus Mizael Bispo de Souza e Evandro Bezerra Silva, respectivamente, como incursos no art. 121, § 2º, I, III e IV, e art. 121, § 2º, III e IV, na forma do art. 29, todos do Código Penal.

                                 Quanto ao crime de ocultação de cadáver, contudo, verifica-se que este não encontra suporte probatório para a sua subsistência na denúncia.

                                 Ocorre "post factum" impunível quando a conduta praticada pelo agente estiver inserida no curso normal do desenvolvimento do delito maior a que se propunha realizar. Comprovado que o afogamento era condição necessária para o perfazimento do homicídio e não uma conduta autônoma, pois, ao que tudo indica, a vítima estava consciente no local do crime, embora, provavelmente, atordoada, após ser alvejada pelos projéteis, segundo o relato de uma testemunha presencial, aplica-se à hipótese o princípio da consunção, por meio do qual o crime de ocultação de cadáver restou absorvido pelo delito de sangue. Denota-se, assim, que a intenção de jogar a vítima na represa não era de ocultar o cadáver, e, sim, de consumar o delito doloso contra a vida.

                                 Forte em tais lineamentos, rejeito a denúncia em relação ao delito capitulado no art. 211 do Estatuto Repressivo, com arrimo no art. 395, III, da Lei de Ritos Penal.

                                 Ordeno a citação dos acusados para responderem a acusação, por escrito, no prazo de 10 dias, com fundamento no artigo 406 do Código de Processo Penal.

                                 Determino a juntada de folhas de antecedentes e certidões do que nelas constar.

                                 Como é sabido, nenhum direito pode ser considerado absoluto e, em caso de abuso, nada mais correto do que municiar o magistrado de poderes para coarctá-lo.

                                 Assim sendo, a partir do artigo 400, § 1º, do Código de Processo Penal, com a nova redação dada pela Lei nº 11.719/08, não há dúvidas de que poderá o magistrado, inclusive, determinar que a Defesa e o Ministério Público apresentem a justificativa da prova – aqui, qual o ponto de fato que cada testemunha que vier a ser arrolada buscará provar  – para que, assim, possa ser analisada a sua pertinência ou relevância, bem como para que se possa identificar manobras procrastinatórias.

                                 Nesse diapasão, com a resposta, justifique(m) a(s) Defesa(s) a prova a ser produzida em audiência, de forma sucinta, conforme alhures mencionado, sob pena das cominações legais.

                                 Em sendo arroladas testemunhas de antecedentes ou de “canonização”, autorizo, desde já, a apresentação de declarações por escrito.

                                 No tocante ao Ministério Público, já sabemos o que cada testemunha arrolada irá dizer, pois os seus depoimentos constam do inquérito policial. Em conhecimento superficial da lide, de cognição sumária e caráter provisório, as oitivas ora solicitadas são relevantes para a busca da verdade real.

                               Todavia, determino que o Ministério Público promova a adequação do rol de testemunhas ao número legal, no prazo de 03 dias. Caso deseje a oitiva das testemunhas remanescentes como testigos do Juízo, deverá, de forma pormenorizada, justificar a sua necessidade.

                                 Salutar a mudança legislativa, suprimindo a lacuna do ordenamento jurídico anterior e permitindo que o magistrado tenha maior controle sobre a produção probatória.

                                 Em auto apartado, determino que a autoridade policial realize as diligências postuladas pelo “Parquet” nos itens 10, 11, 12, 13, 14 e 17, da cota de fls. 944/950, no prazo de 30 dias. Oficie-se, com urgência.

                                 Também em auto apartado, agora, sigiloso, defiro os pleitos formulados nos itens 15 e 16, da mesma cota ministerial, com supedâneo no princípio da verdade real. Oficie-se à operadora de telefonia, assinalando o prazo de 10 dias para a devida resposta. A outra informação será obtida pelo sistema bacenjud. 

                                 Pois bem.

                                 Após a conclusão de algumas perícias e de relatado o inquérito policial, assiste razão aos representantes da Polícia Civil e do Ministério Público, pois estão presentes as condições expressas em lei para a decretação da prisão preventiva dos denunciados.

                                 No caso vertente, pelos documentos, informações e depoimentos constantes da peça administrativa, estão confirmados os pressupostos ensejadores da custódia cautelar.

                                 De proêmio, ouso afirmar que não existe a figura do crime perfeito, e, sim, mal investigado, o que não ocorreu na espécie.

                                 Pelo contrário, só gostaria que todos os delitos tivessem o mesmo tratamento investigativo dado ao presente caso.

                                 Todo homem deve saber do fundo do seu coração o que é certo e o que é errado. Quando não consegue ouvir seu coração, deve ser alertado pelo rumor social difuso. E quando finge não ouvir a voz admoestadora da sociedade, deve ser constrangido a fazer o que lhe determinam os gritos da lei.

                                 Os denunciados estão envolvidos em crime de extrema gravidade, demonstrando insensibilidade moral e enorme periculosidade.

                                 A comunidade paulista não pode ficar à mercê de indivíduos violentos e perigosos que atentam de forma desmedida contra a vida e a segurança alheia, pondo em sobressalto as pessoas e gerando, na maioria dos casos, traumas e sequelas irreparáveis.

                                 Não resta dúvida que a prisão processual constitui uma medida drástica, já que antecede uma eventual decisão condenatória definitiva; todavia, não é menos certo que, quando necessária em uma das hipóteses previstas nos arts. 311 e 312 do Código de Processo Penal, exige coragem por parte do Poder Judiciário que não deve se omitir na defesa da sociedade, posto que, na lição de Fernando da Costa Tourinho Filho, lembrando Bento de Faria, ao denominar a prisão preventiva como uma “injustiça necessária do Estado contra o indivíduo”, ressalva: “Se é injustiça, porque compromete o ‘jus libertatis’ do cidadão, ainda não definitivamente considerado culpado, por outro lado, em determinadas hipóteses, a Justiça Penal correria um risco muito grande deixando o indigitado autor em liberdade.” (“Processo Penal”, Ed. Saraiva, 11ª edição, vol. 3, pág. 418).

                                 A primariedade, bons antecedentes, residência fixa e ocupação lícita não impedem, por si só, a prisão provisória” (STJ, 6ª Turma, v.u., ROHC nº 8566-SP, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, julg. em 30.06.1999).

                                 A necessidade de se resguardar a credibilidade da Justiça, cuja imagem pode ser seriamente abalada em razão da prática de um crime grave, de grande repercussão na sociedade ou mesmo em razão da prática reiterada de crimes por determinado agente, tem ensejado a decretação da prisão preventiva com fundamento na garantia da ordem pública.

                                 Por esse motivo é que se pode afirmar que a gravidade concreta do fato delituoso, associada à sua repercussão, como na espécie, pode gerar um clima de impunidade no meio social, comprometendo, assim, a credibilidade que as pessoas depositam nos órgãos imbuídos das atividades da Justiça (Poder Judiciário e Ministério Público) e da segurança pública (Polícias Militar, Civil e Federal).

                                 Exemplo notório de credibilidade da Justiça utilizada como argumento para a prolação de decreto prisional é o do casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, acusados da morte da criança Isabella de Oliveira Nardoni, filha do primeiro e enteada da segunda. Com efeito, na decisão receptora da denúncia oferecida contra o casal, o preclaro juiz Maurício Fossen decretou a prisão preventiva com fundamento na garantia da ordem pública, valendo-se, dentre outros argumentos, da "credibilidade da Justiça".

                                 Veja-se trecho da decisão:"Na visão deste julgador, a prisão processual dos acusados se mostra necessária para garantia da ordem pública, objetivando acautelar a credibilidade da Justiça em razão da gravidade e intensidade do dolo com que o crime descrito na denúncia foi praticado e a repercussão que o delito causou no meio social, uma vez que a prisão preventiva não tem como único e exclusivo objetivo prevenir a prática de novos crimes por parte dos agentes, como exaustivamente tem sido ressaltado pela doutrina pátria, já que evitar a reiteração criminosa constitui apenas um dos aspectos desta espécie de custódia cautelar".

                                 Irresignado com a decisão do ilustre magistrado criminal, o casal impetrou “habeas corpus” no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Sodalício o qual, por sua vez, manteve o decreto prisional, ressalvando, contudo, que a credibilidade da Justiça, por si só, não é argumento idôneo para decretação da custódia cautelar, todavia – segundo o TJSP – quando aliada a outros fatores (como o "clamor público", no caso), a credibilidade da Justiça pode servir como base para decretação da segregação processual.

                                 Confira-se trecho pertinente do aresto: "Claro que não justificam a prisão preventiva o singelo clamor público ou a perspectiva de serem preservadas a credibilidade e a respeitabilidade do Poder Judiciário. Se o primeiro não vem elencado no artigo 312 do Código de Processo Penal, a segunda, que ali também não se faz referida, não pode ser argumento para privação do bem maior que é a liberdade do ser humano. Tanto que já se disse por aqui, anteriormente, que qualquer decisão que se profira não pode vir fundada em simples e falíveis suspeitas, em desconfianças ou deduções cerebrinas, ditadas pela gravidade e clamor decorrentes de um crime. Mas, se um e outro, isto é, se clamor público e necessidade da preservação da respeitabilidade de atuação jurisdicional se aliarem à certeza quanto à existência do fato criminoso e a veementes indícios de autoria, claro que todos esses pressupostos somados haverão de servir de bom, seguro e irrecusável fundamento para a excepcionalização da regra constitucional que presumindo a inocência do agente não condenado, não tolera a prisão antecipada do acusado" [TJSP, HC 1.222.269.3/9, rel. des. Canguçu de Almeida, Quarta Câmara de Direito Criminal, j. 13.06.2008, DJ 22.08.2008].

                                 Novamente inconformados, os réus Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá impetraram “habeas corpus” no Superior Tribunal de Justiça, protocolado sob o nº 110.175/SP e distribuído para a Quinta Turma, com o Ministro Napoleão Maia Filho na função de relator. Contudo, a Quinta Turma da Corte Superior manteve a decisão do TJSP, sustentando, também, que a credibilidade da Justiça, de per si, isoladamente, é argumento precário, mas, por outro lado, pode ser perfeitamente utilizada quando agregada a outros fatores.

                                 Observe-se o fragmento da ementa: "O clamor público ou a necessidade de resguardar a credibilidade da Justiça, como bem lembrou o ilustre representante do “Parquet” Federal, não são motivos, por si sós, aptos à decretação da prisão preventiva sob o pálio da garantia da ordem pública; todavia, se esses fundamentos estiverem aliados à gravidade concreta do delito, perceptível pela forma como foi conduzido e realizado, então estará mais do que satisfeita a exigência legal" [STJ, HC 110.175/SP, rel. min. Napoleão Maia Filho, Quinta Turma, j. 09.09.2005, DJ 06.10.2008].

                                 Por fim, nova insatisfação do casal Nardoni, agora com a decisão prolatada pelo STJ, motivou a impetração de novo HC, agora no Supremo Tribunal Federal, protocolado sob o nº 95.344/SP. No entanto, o “writ” foi indeferido liminarmente em 05.08.2008 (sem apreciação do mérito), pela relatora, ministra Ellen Gracie, sob o fundamento de que não havia razão para o afastamento da Súmula 691 do STF.

                                 Feita essa breve digressão, é possível constatar que, no caso citado, a restrição da liberdade de locomoção do casal Nardoni foi decretada pelo magistrado de primeiro grau e confirmada tanto pelo TJSP quanto pelo STJ, visando, notadamente, resguardar a confiança da população no Estado enquanto detentor da pretensão punitiva em vista do clamor público e da repercussão gerados pelo caso no meio social.

                                 No julgamento do antológico “habeas corpus” nº 80.717/SP, cujo paciente era o ex-juiz trabalhista Nicolau dos Santos Neto, o Tribunal Pleno do STF firmou o entendimento de que o grave abalo à respeitabilidade da Justiça é argumento válido para o encarceramento cautelar com o objetivo de se tutelar a ordem pública. Dessa forma, decidiu o Pretório Excelso no sentido de que "a necessidade de se resguardar a ordem pública revela-se em consequência dos graves prejuízos causados à credibilidade das instituições públicas" [STF, HC 80.717/SP, rel. min. Sepúlveda Pertence, rel. para o acórdão, min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, maioria (7x4), j. 13.01.2001, DJ 05.03.2004.].

                                 O caso Nicolau dos Santos Neto, por ter sido julgado pelo Tribunal Pleno (e não por qualquer das Turmas), e, também, pelo substancioso voto dos ministros Sepúlveda Pertence (relator vencido) e Ellen Gracie (relatora para o acórdão), é considerado um divisor de águas para o estudo da prisão preventiva decretada com fundamento na garantia da ordem pública.

                                 O julgado acima mencionado abriu um precedente importantíssimo no qual, num outro caso de notoriedade similar, a Primeira Turma da mesma Corte se amparou para a prolação de decisão sustentando que a credibilidade da Justiça constitui interpretação idônea dada à expressão "garantia da ordem pública"; trata-se da questão de ordem suscitada no “habeas corpus” nº 85.298/SP, em que figurava como paciente o chinês Law Kin Chong, apontado pela mídia nacional como o maior contrabandista do país. Fazendo expressa menção ao já citado e ora transcrito HC 80.717/SP, assim decidiu o colegiado (trecho da ementa):"O plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 80.717, fixou a tese de que o sério agravo à credibilidade das instituições públicas pode servir de fundamento idôneo para fins de decretação de prisão cautelar, considerando, sobretudo, a repercussão do caso concreto na ordem pública (…) Questão de ordem que se resolve no sentido do indeferimento da liminar" [STF, HC-QO 85.298/SP, rel. min. Marco Aurélio, rel. para o Acórdão, min. Carlos Britto, Primeira Turma, j. 29.03.2005, DJ 04.11.2005].

                                 Segundo entendemos, a credibilidade da Justiça deve ser considerada como uma das interpretações mais fiéis conferidas à abstrata expressão "garantia da ordem pública".

                                 Antes, contudo, é importante levar em consideração o fato de que a prisão preventiva decretada para a garantia da ordem pública (para credibilidade da Justiça ou qualquer que seja a interpretação), foge à característica da "instrumentalidade hipotética" inerente a toda e qualquer custódia cautelar, por uma razão elementar: essa modalidade de prisão, adotada com o fundamento apontado, traduz-se mais numa medida de defesa social amplamente aceita pela doutrina e jurisprudência pátrias, do que numa prisão de natureza tipicamente cautelar, posto que não visa "instrumentalizar" o processo penal, mas sim "acautelar o meio social", abalado pela prática de um delito grave e de grande repercussão.

                                 Nesse sentido, curial a transcrição das lições magistrais de Marcelo Ferreira de Souza:"A garantia da ordem pública retira o caráter instrumental da prisão preventiva, típico das medidas cautelares. No entanto, a despeito da dissociação da prisão preventiva como garantia da ordem pública das medidas cautelares e da conclusão de que sua finalidade exorbita a esfera processual, alcançando diretamente os efeitos do direito material, é incontroverso que a inadmissibilidade da medida gera reflexos significativos na segurança pública" [SOUZA, Marcelo Ferreira de. Segurança pública e prisão preventiva no Estado Democrático de Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 160].

                                 Seguindo essa mesma linha de raciocínio, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, citado por Marcelo Ferreira de Souza, preleciona que: "Não se pode imaginar uma sociedade sem a prisão preventiva, instrumento inafastável de defesa social. O que se deve exigir, somente, é a fundamentação clara, democrática, que aponte as razões da necessidade da prisão, afastando-se qualquer automatismo" [CARVALHO, Luís Gustavo Grandinetti Castanho de. Processo penal e Constituição: princípios constitucionais do processo penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 162, apud SOUZA, Marcelo Ferreira de. Op. cit., p. 154].

                                 Na mesma senda, já decidiu a Segunda Turma do STF, no “habeas corpus” 93.972/MS, sob a relatoria da ministra Ellen Gracie, no sentido de que "à ordem pública relacionam-se normalmente todas as finalidades da prisão processual que constituem formas de privação da liberdade adotadas como medidas de defesa social" [STF, HC 93.972/MS, rel. min. Ellen Gracie, Segunda Turma, j. 20.05.2008, DJ 13.06.2008].

                                 Mais recentemente, o ministro Carlos Britto, oficiando como relator no HC 94.979/TO, asseverou que "não há como refugar a aplicabilidade do conceito de ordem pública se a concreta situação dos autos evidencia a necessidade de acautelamento do meio social" [STF, HC 94.979/TO, rel. min. Carlos Britto, Primeira Turma, j. 09.09.2008, DJ 03.04.2009].

                                 Dessa forma, resta claro que a prisão preventiva, decretada para a garantia da ordem pública, não visa acautelar o processo, mas sim o próprio meio social, sendo certo que, a partir dessas considerações, é possível se chegar à clara conclusão de que é plenamente válida a prisão cautelar em razão da premente necessidade de se assegurar a credibilidade da população nas instituições diretamente envolvidas nas atividades de segurança e na repressão da criminalidade (Poder Judiciário, Ministério Público e Polícias Federal, Civil e Militar).

                                 É certo que a prática de uma infração penal gravíssima, de particular repercussão no meio social, corrói um dos pilares de sustentação do Estado Democrático de Direito, qual seja, a credibilidade das instituições estatais e a força de implementação dos objetivos do Poder Público.

                                 Ora, se por ordem pública deve-se entender como "a paz e a tranquilidade social, que deve existir no seio da comunidade, com todas as pessoas vivendo em perfeita harmonia, sem que haja qualquer comportamento divorciado do “modus vivendi” em sociedade" [PACHECO, Denílson Feitosa. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 4. ed. rev. amp. e atual. com a Emenda Constitucional da "Reforma do Judiciário". Niterói: Impetus, 2006, p. 679], é claro que a prática de um crime grave quebra esse espírito de paz, incumbindo ao Judiciário, assim, o dever de trazer de volta essa harmonia. Caso esse crime seja grave a ponto de chegar ao extremo de comprometer a confiança que as pessoas depositam nas instituições públicas, fomentando, assim, o descrédito no império da lei e no poder estatal, é dever do Estado-juiz decretar a prisão para a garantia da ordem pública, de forma a restabelecer a confiança, credibilidade e respeito das pessoas nas instituições legitimamente constituídas.

                                 Na mesma linha do posicionamento que adotamos, Julio Fabbrini Mirabete, com a maestria que lhe é peculiar – num conceito há muito já consagrado e recorrentemente citado por outros processualistas e pela jurisprudência pátria – sustenta que "o conceito de ordem pública não se limita a prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas também a acautelar o meio social e a própria credibilidade da Justiça em face da gravidade do crime e de sua repercussão" [MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 377].

                                 Guilherme de Souza Nucci, cerrando fileiras na mesma posição defendida por Mirabete, entende que "a afetação da ordem pública constitui importante ponto para a própria credibilidade do Judiciário" [NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 590].

                                 Outro argumento relevante, no caso concreto, é a periculosidade dos agentes.

                                 De fato, a periculosidade do agente para a coletividade, desde que comprovada concretamente é apta a manutenção da restrição de sua liberdade (HC 89.266/GO, Primeira Turma, Rel. min. Ricardo Lewandowski, DJU de 28/06/2007; HC 86002/RJ, Segunda Turma, Rel. min. Gilmar Mendes, DJU de 03/02/2006; HC 88.608/RN, Segunda Turma, Rel. min. Joaquim Barbosa, DJU de 06/11/2006; HC 88.196/MS, Primeira Turma, Rel. min. Marco Aurélio, DJU de 17/05/2007).

                                 Acrescente-se, também, que em alguns crimes, como foi afirmado no HC 67.750/SP, Primeira Turma. Rel. min. Celso de Mello, DJU de 09/02/1990, a periculosidade do agente encontra-se ínsita na própria ação criminosa praticada em face da grande repercussão social de que se reveste o seu comportamento. Não se trata, frise-se, de presumir a periculosidade do agente a partir de meras ilações, conjecturas desprovidas de base empírica concreta, que conforme antes destacado não se admite, pelo contrário, no caso, a periculosidade decorre da forma como os crimes foram praticados (modus operandi).

                                 Caso dos autos em que figura policial militar aposentado, atualmente exercendo a profissão de advogado, e um vigia particular, como denunciados, os quais foram preparados para defender a sociedade e zelar pelo cumprimento das leis. Todavia, segundo a denúncia, fizeram o inverso.

                                 Vítima atingida por projéteis de arma de fogo e, em seguida, jogada numa represa, ao que parece, consciente, pronta para a morte, pois, além de gravemente ferida, não sabia nadar.

                                 Trata-se de um crime hediondo, premeditado, com requintes de crueldade e extrema frieza em seu cometimento.

                                 Sob esta ótica, pode-se constatar que a conduta descrita na denúncia deixa transparecer que se trata de pessoas desprovidas de sensibilidade moral e sem um mínimo sentimento de solidariedade com a vida de seus pares.

                                 A quem armado e disposto a matar e a morrer, ataca a vida alheia, evidenciando destreza e periculosidade ínsita em sua conduta, recomenda o seu afastamento do meio social.

                                 Há, portanto, veementes indícios de autoria ou participação e materialidade de crime que se traduz em verdadeiro câncer social.

                                 Demais disso, é preciso que a Justiça encontre resposta legal pronta e eficaz para evitar que se propague a criminalidade, principalmente atingindo inocentes e indefesas vítimas.

                                 “In casu”, a prisão preventiva também visa impedir que os agentes perturbem ou impeçam a produção de provas, ameaçando testemunhas, apagando vestígios do crime, destruindo documentos, e etc. Evidente aqui o “ periculum in mora”, pois não se chegará à verdade real se os denunciados permanecerem soltos até o final do processo.

                               Existem provas irrefutáveis nos autos de que alguém tentou apagar os vestígios do crime, seja arremessando o veículo na represa, até mesmo desaparecendo com o chip do telefone da vítima, notadamente com o único intuito de prejudicar as investigações e obter a impunidade.

                                 O Poder Judiciário não pode ficar alheio à gravidade do problema de segurança que atormenta os moradores das cidades. E se o juiz é, como deve ser, homem de seu tempo, atento à realidade dos fatos e ao momento que atravessa, não pode deixar de considerar a importância de suas decisões na contenção da onda de violência que se vem alastrando de maneira quase incontornável, alarmando a população e intranquilizando as famílias.

                                 Nesse quadro, resulta claro que a liberdade dos denunciados, com periculosidade evidenciada pelas circunstâncias ressaltadas, ameaça a ordem pública e pode estimular novos crimes, além de provocar repercussão extremamente danosa ao meio social, já indignado com a verdadeira "selva" em que se transformou as grandes metrópoles.

                                 Cumpre ressaltar, por derradeiro, a fuga do distrito da culpa após a prática delitiva, revelando, indiscutivelmente, a intenção do denunciado Evandro Bezerra da Silva, preso em outro Estado da Federação, de frustrar a aplicação da lei penal.

                                 O Pretório Excelso já se manifestou: “A simples fuga do acusado do distrito da culpa, tão logo descoberto o crime praticado, já justifica o decreto de prisão preventiva" (RT 497/403).

                                 A segregação cautelar dos denunciados, no momento, está apoiada na legislação vigente e na jurisprudência dos nossos mais elevados Pretórios.

                                 Resumindo, é imperativa a decretação de prisão preventiva aos agentes que cometem crime de homicídio qualificado, vez que o juiz deve proteger a liberdade dos indivíduos como também a segurança da sociedade, incumbindo-lhe manter no cárcere ou determinar a condução de todo o indivíduo que pratique ato contra comunidade local, ainda que provisoriamente, dada a periculosidade cuja avaliação só pode ser tirada pelo ato concreto forrado no "modus operandi" imprimido, sem dúvida, presente, quando coloca em risco a vida humana.

                                 Ante o exposto, atento ao fato de existir prova da materialidade do delito de homicídio qualificado e suficientes indícios de autoria ou participação, pelos denunciados, é que DECRETO a PRISÃO PREVENTIVA de Mizael Bispo de Souza e Evandro Bezerra Silva, qualificados nos autos, com fundamento nos arts. 311 e 312 do Código de Processo Penal.

                                 Expeçam-se mandados de prisão.

                                 Ciência ao Ministério Público.

                                 Guarulhos, 3 de agosto de 2010.

                                 LEANDRO JORGE BITTENCOURT CANO

                                                   Juiz de Direito

Assessoria de Imprensa TJSP - RS (texto) / AC (foto) 


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