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Liceu de Artes e Ofícios e Tribunal de Justiça: um século e meio de histórias interligadas

Obras de artesãos da escola adornam Palácio da Justiça.

Uma das instituições de ensino, arte e cultura mais notáveis de todo o estado, o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo completa, em dezembro de 2023, 150 anos de uma história que se confunde com a do próprio Tribunal de Justiça de São Paulo que, em fevereiro do próximo ano, também completa seu sesquicentenário. Boa parte do mobiliário do Palácio da Justiça, sede do Judiciário paulista, é fruto do trabalho artístico dos mestres e artesãos do Liceu ao longo da primeira metade do século XX.
A história da instituição, no entanto, começou muito antes: em 1873, um grupo de 131 cidadãos paulistas fundaram a Sociedade Propagadora de Instrução Popular, que consistia em projeto educacional voltado para a formação de cidadãos em diversas áreas, incluindo artesãos, serralheiros, marceneiros e carpinteiros que a metrópole tanto necessitava à época, em virtude de seu acelerado progresso. Nove anos mais tarde, a escola, reorganizada, passou a ser denominada Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, com sede na então Rua São José (atual Rua Libero Badaró).
Com ampla variedade de oficinas e profissionais formados, o Liceu exerceu grande influência na sociedade paulista, especialmente do ponto de vista artístico e arquitetônico. Pouco a pouco, os trabalhos em madeira e ferro, por seus alunos desenvolvidos, espalharam-se não apenas por São Paulo, mas por diversas cidades brasileiras.
Entre as principais contribuições estão o Theatro Municipal, o Palácio dos Campos Elíseos, a Santa Casa de Misericórdia, o Clube Atlético Paulistano, a Penitenciária do Estado e o Edifício dos Correios, entre outros edifícios emblemáticos.
Hoje, 150 anos após o ponto de partida, o Liceu de Artes e Ofícios se mantém como uma das referências em ensino médio e técnico na capital paulista. Por meio do Centro Cultural do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo (CCLAO), que passou por uma reestruturação há cinco anos (em virtude de incêndio que atingiu o prédio em 2014), a instituição também se destaca como um polo de arte e cultura na maior cidade do país, nas proximidades das também emblemáticas Estação da Luz e Pinacoteca. O espaço recebe diversas exposições, visitas guiadas e conserva um vasto acervo histórico.
 
 
  Ramos de Azevedo: o ponto de encontro entre Liceu e TJSP 
A grande ligação entre o Liceu de Artes e Ofícios e o Tribunal de Justiça de São Paulo é a figura de Francisco de Paula Ramos de Azevedo, um dos mais brilhantes e renomados arquitetos do país, considerado o pioneiro da construção civil em São Paulo e responsável por projetos que são verdadeiros cartões-postais da cidade, como o Theatro Municipal, o Mercado Municipal e a Pinacoteca. Foi ele um dos responsáveis por consolidar o Liceu como uma instituição de excelência, reconhecida até mesmo em nível internacional, quando integrou a diretoria entre o final do século XIX e o começo do século XX. 
Durante sua gestão, em 1906, as oficinas se modernizaram em um novo e mais amplo edifício, localizado na atual Rua Cantareira – endereço que segue como sede da instituição até hoje. Um pouco mais tarde, em 1911, Ramos de Azevedo foi procurado pelo então secretário estadual da Segurança Pública e futuro presidente da República, Washington Luís, para conduzir o projeto de construção do Palácio da Justiça. Além dele, que faleceu antes de ver a obra completa, outras mentes brilhantes ligadas, direta ou indiretamente, ao Liceu de Artes e Ofícios contribuíram para a execução da obra, como Cláudio Rossi, Felizberto Ranzini, Amilcar Salmazzo, Calixto Fiaminghi, Antonio Nunes, Sebastião Sparapani e Fabricio Catelli. 
O resultado dessa convergência de ideias é o que se observa desde o portão de entrada do Palácio até algumas de suas salas mais emblemáticas. A começar pelos lustres de bronze que iluminam o Salão dos Passos Perdidos, o Salão do Júri e o Salão Nobre “Ministro Costa Manso”, todos desenvolvidos pelos mestres e artesãos do Liceu. O acervo também se faz presente nos mobiliários em madeira de lei que compõem, além das salas citadas, a Biblioteca, a Sala das Togas e os Gabinetes dos integrantes do Conselho Superior da Magistratura – são diversas mesas, cadeiras (incluindo o couro do estofado), chapeleiros, armários, lambris e baias das salas de julgamento com a assinatura dos profissionais da sesquicentenária escola. Além disso, essa contribuição se estende a caixilhos e portas de ferro, desenhos de serralheria, cerâmica e modelagem e até mesmo nos saudosos carrinhos de carregamento de processos.
“A relação entre o TJSP e o Liceu, além de centenária, é bastante viva. Sem o Liceu, o Palácio da Justiça não seria da forma como conhecemos e como nos encantamos a cada passo traçado nesses corredores. Por uma feliz coincidência, as duas instituições atingem a marca de 150 anos praticamente juntas, e é muito gratificante perceber que os dois lados não medem esforços para conservar todo esse patrimônio e, mais do que isso, essa integração de ideias”, explica o presidente da Comissão de Gestão da Memória da Corte e coordenador do Museu do TJSP, desembargador Octavio Augusto Machado de Barros Filho.
Como fruto da aproximação entre as duas instituições, o Liceu de Artes e Ofícios disponibilizou ao Tribunal de Justiça um álbum sobre seu acervo histórico com os desenhos do projeto original do Palácio da Justiça e a heliografia das obras encomendadas junto à escola. O material fará parte de uma exposição em comemoração aos 90 anos do Palácio, promovida pelo Museu do TJSP, a ser lançada no segundo semestre deste ano. 
Para o presidente do Conselho do Liceu de Artes e Ofícios, Livio de Vivo, a expectativa é estreitar ainda mais os laços com o TJSP em futuros projetos. “Fomos recebidos no Palácio pelo presidente Ricardo Mair Anafe e pelo desembargador Octavio Augusto Machado de Barros Filho em uma visita muito agradável, e há ideia de colaboração mútua entre as duas entidades. Foi emocionante e gratificante ver todo esse patrimônio. Sabíamos que havia muita coisa do Liceu, mas não imaginávamos que fosse com essa preservação e cuidado”, afirma.
 
 
  *Com informações da historiadora Ana Maria de Moraes Belluzzo e do livro “Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo: missão excelência”, de Margarida Cintra Gordinho.

N.R.: Texto originalmente publicado no DJE de 28/6/23
 
 
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