Servidores de Bauru semeiam o Bem
Quando semear em terrenos inférteis produz efeitos para os que dão e os que recebem
Para uma semente germinar, crescer e se tornar árvore vários fatores entram em cena: terreno propício em que suas raízes possam arraigar para receber a alimentação e fortalecer o caule, produção de frutos, sombra e tudo isso e mais as boas sementes. No entanto, há árvores que nascem em locais em que as condições não favorecem a vida. Nesses casos, para se obter bons resultados, é preciso cuidado especial, preparação diferenciada, muito adubo e...carinho. Assim com as sementinhas, são as crianças. Não é só plantar. É preciso cuidar e o terreno deve estar em constante cultivo.
Foi pensando em buscar um mundo melhor para crianças e adolescentes que o casal de servidores do fórum de Bauru, Benedito José Almeida Falcão e Luciana Dias Duarte Falcão, iniciou um trabalho de agricultor que já está em seu quarto ano: o projeto Sementinha – ONG Sementes do Bem, implementado no bairro Nova Esperança, dessa cidade.
A ideia era de se trabalhar somente com leitura de autores infantis. Mas, foram aparecendo crianças e mais crianças e o “Sementinha” cresceu. Hoje, são vinte crianças na parte de educação onde se trabalha com interpretação de textos, história, biologia, matemática básica e avançada. Karatê, kung fu e xadrez também são atividades do projeto.
Surgimento do "Sementinha" – A história é enigmática. Analisando friamente a iniciativa, vêm à reflexão as causas que levaram duas pessoas que lidavam diariamente com a aplicação da lei e a crescente demanda de processos no ambiente forense a seguir um caminho de sonhos e crenças para por em prática a plantação de sementinhas. Benedito e Luciana venderam um imóvel e queriam comprar a casa tão sonhada – espaçosa e com bela piscina. No entanto, nada dava certo. Por vez era uma coisa, por vez outra. Certo dia, a caminho da igreja, Benedito Falcão disse à esposa que queria contar algo, mas achava que ela iria interná-lo. Criou coragem e começou: "já temos uma casa para morar e não nos falta nada. Quem sabe agora poderíamos fazer algo para a obra de Deus?". Surpreso, descobriu que a esposa Luciana pensava há tempos nisso também. Com receio e talvez também com medo de uma internação, nada dizia. Em minutos, perceberam a coincidência dos planos e em pouco tempo encontraram o terreno, com um barracão onde funcionava uma antiga mercearia. O dono estava no Japão, mas a distância não foi empecilho: em uma semana o imóvel era deles. Negociação em tempo recorde, espaço comprado, mãos à obra!
Os dois servidores do fórum começaram então a preparar o terreno para plantar o “Sementinha”. Foram a escolas de ensino fundamental do bairro Nova Esperança e convidaram os alunos e seus pais a conhecerem o projeto que, como já dito, seria apenas de leitura. Nessa fase, já tinham o apoio dos amigos do fórum. Benedito e Luciana explicaram aos pais que tinham que deixar seus filhos sonharem e que eles tentariam realizar. Tudo era como uma mesa com as quatro pernas: a presença de Deus na vida de cada um; a realização do melhor ato; a vontade da criança e, por fim; o apoio da família. Um pai quis saber o que queriam deles na verdade. Intrigado, indagava se havia ali alguma pretensão política. Os servidores não se intimidaram. Explicaram ao pai da criança que eram funcionários do Poder Judiciário de Bauru e que a diretoria da ONG era formada por servidores do fórum, inclusive com assistente social. Benedito Falcão disse em tom calmo: "se o senhor acha que não queremos nada está enganado (antes de terminar a frase o pai estava com os olhos arregalados). Queremos sim! Queremos ver gente do bem formada em qualquer área, não importa a profissão".
Crescimento – Como o leque se abriu, o “Sementinha” inovou e novos projetos surgiram. Uma parceria com o Colégio Objetivo mantém nove alunos com bolsa de 70% e 30% são custeados pelos investidores sociais – nome carinhosamente dado aos que contribuem com o projeto. Como a ONG consegue investidor social? O casal expõe os objetivos e um a um vai garantindo apoio. Hoje, o projeto conta com 180 colaboradores que vão desde servidores do fórum a juízes, promotores de Justiça, advogados e procuradores. Cada um contribui com o que pode para manter os alunos na escola. "Não importa o valor, pode ser R$ 10, 20, 30, 50 ou mais, o que importa que seja contínuo porque assumimos um compromisso e não podemos deixar de cumpri-lo. Queremos trabalhar com uma meta diferente. Iniciar com as crianças de sete a oito anos, levá-las à faculdade e vê-las formadas. É um projeto em longo prazo", diz Benedito Falcão.
Ele conta, ainda, que dois alunos estão sendo preparados para acompanhar o ensino particular. A medida objetiva que, ao ingressar no colégio, não tomem um choque e o que deveria ser bom possa ser ruim. “As bolsas com 70% estão garantidas, falta agora conseguir subsidiar o valor restante.” Duas crianças estão como finalistas nas olímpiadas do colégio. O próprio Benedito Falcão faz, a cada seis meses, a "olimpíada do conhecimento", como costuma chamar. É uma espécie de provão e o aluno que se sobressai ganha prêmios. Como premiação, de acordo com os resultados em provas, recebem livros de atualidades, clássicos e outros de alto nível.
O transporte e o material de estudo são também custeados pelo projeto. Melhor dizendo, com o próprio carro ele ou a esposa saem à tarde do fórum e vão fazer a vez de “tio e tia do transporte”, buscando a criançada na porta da escola. "É muito bom, quando a gente chega, o pessoal da portaria chama em voz alta 'alunos do tio Falcão ou alunos da tia Luciana' e vem aquele monte de crianças correndo", conta morrendo de rir.
Os integrantes da diretoria da ONG utilizam seus carros próprios e em comboio levam os alunos a passeios, como para assistir peças de teatro, visita museus, exposições, tribo indígena e feiras de ciências, buscando dar a elas a oportunidades que outras crianças têm. As aulas do projeto são dadas por servidores, parentes deles e voluntários, inclusive Benedito Falcão e seu filho Felipe. As aulas de Kung Fu têm professores campeões, que, no próximo mês, disputam o mundial na Malásia. Dois professores de Karatê treinam 50 crianças que recebem os quimonos do projeto com o respectivo logotipo, tudo gratuito. Dois desses alunos foram levados por professores para treinar na academia e, no próximo ano, começarão a disputar campeonatos.
O projeto recebeu do Tribunal de Justiça de São Paulo vinte computadores (inservíveis ao trabalho forense, mas muito útil para a meninada) que foram instalados nas casas dos estudantes para possibilitar a execução das tarefas diárias. Todos os sábados são entregues a eles aulas de áudio e vídeo gravadas em pen drive para estudarem no fim de semana e nos demais dias. São gravados programas lúdicos, Discovery, Globo Ciência e outros que trazem coisas boas às crianças, tirando-as de programas incultos oferecidos ou dos videogames violentos.
União dos pais do projeto – Benedito Falcão e Luciana se conheceram entre 1999/2000. Ele estava separado há um bom tempo e juntos tiveram os "filhos do coração que Deus nos deu, muitos não têm pais”, diz Luciana. Ela descreveu que uma das meninas do projeto ligou e perguntou se o "tio Falcão" podia ir à escola na gincana do Dia dos Pais, pois ela nunca teve um pai para levar nas festas. “Contei para o Falcão e ele chorou muito. Lógico que foi. Fui junto e foi uma festa maravilhosa. A menina e o irmão (são gêmeos) amam o Falcão como filhos...”, ressalta Luciana.
Falcão tem dois filhos do outro casamento: Victor D. Falcão e Felipe D. Falcão. O primeiro é formado em Direito e mora em outra cidade; o segundo estuda engenharia na Unesp. Felipe é muito envolvido com a iniciativa e dá aulas de matemática avançada e karatê no projeto, além de propiciar um sonzinho de violão. Como ainda estuda, o pai lhe dá uma mesada de R$ 150. Dessa quantia, contribui com R$ 10 para o estudo das crianças. Tem mais, outro dia ele trouxe um braço mecânico que eles estavam desenvolvendo na Unesp para as crianças manusearem... Pense na alegria da molecada...
Falcão diz que usa algo que o pai dele sempre dizia: “nós que somos pobres não temos muitas oportunidades na vida, temos que usar a cabeça e estudar porque vamos depender disso. Estude e se prepare porque a vida não é brinquedo”. Ele complementa “então a gente os prepara, eles sabem que de onde vêm depende muito deles". Gosta de rememorar algumas situações vividas com a criançada do projeto como quando têm que viajar. “’Tio quando você vai voltar?’. Quando voltamos nos abraçam e choram. O amor que temos por eles é muito forte e forte também é o deles para conosco." Embora o casal seja evangélico, a ONG é ecumênica. “Há espíritas, católicos, testemunhas de Jeová e evangélicos de várias congregações. Aqui a gente fala de coisas que unem e não das que separam", declara.
Mensagem de Falcão e Luciana: “esperamos é que um dia, essas crianças, já formadas, ajudem outras crianças, da mesma forma como estão sendo ajudadas agora, formando uma corrente de solidariedade e amor. Por isso, para nós, cada criança é uma semente... Uma semente de esperança de um futuro melhor".
Investidor social – Para conhecer mais sobre o projeto e se tornar um investidor social acesse: www.sementesdobem.com. Vale frisar que a Câmara de Bauru aprovou o projeto e o declarou de utilidade pública.
Projeto Jus_Social – Este texto faz parte do Projeto Jus_Social, implementado em março de 2011. Consiste na publicação no site do TJSP, sempre no primeiro minuto do primeiro dia de cada mês, de um texto diferente do padrão técnico-jurídico-institucional. São histórias de vida, habilidades, curiosidades, exemplos de experiências que pautam as notícias publicadas sobre aqueles que – de alguma forma – realizam atividades que se destacam entre os servidores ou magistrados. Pode ser no esporte, campanhas sociais, no trabalho diário, enfim, qualquer atividade ou ação que o diferencie. Com isso, anônimos ganham vida e são apresentados. Com o projeto “Jus_Social”, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ganhou o X Prêmio Nacional de Comunicação e Justiça 2012 (categoria Endomarketing).
Comunicação Social TJSP – LV (texto) / arquivo (fotos)
imprensatj@tjsp.jus.br