Juiz paulista vive a virtude como dever legal
Juiz paulista vive a virtude como dever legal.
O artigo “O juiz virtuoso” (Folha de 15/1/2020), do Professor Conrado Hübner Mendes, suscita reflexões que só podem angustiar quem foi escolhido por seus pares e tem a missão de administrar o complexo Judiciário bandeirante.
A utilização do verbete “magistocracia” é evidência do preconceito do constitucionalista em relação ao Poder Judiciário. Impossível generalizar como se fez ali: “autopreservação de uma instituição corrupta”.
Os três mil juízes paulistas não se utilizam “de seu poder para favorecer a corporação em prejuízo do interesse público”. Ao contrário, decidem as questões mais sensíveis e delicadas ao grande destinatário da prestação jurisdicional: o injustiçado, o vulnerável, o lesado, aquele que enxerga no sistema Justiça a derradeira oportunidade de mitigar suas dores.
Injurioso invocar “pornografia” como sinônimo de remuneração da Magistratura, em cotejo com a desigualdade brasileira. Inegável que a massa de excluídos merece mais. O Judiciário é uma função que procura reduzir as diferenças. É o Poder da República mais próximo ao necessitado.
Aos juízes, em sua trincheira diuturna, não se pode imputar o uso de métodos condenáveis para a remuneração que é transparente e resultante da lei. São alheios à “negociação de inconstitucionalidade em troca de aumento”, afirmação inqualificável, vil. O Tribunal de Justiça de São Paulo foi um dos primeiros a implementar a republicana transparência, a todos acessível e suficiente para a demonstração da lisura com a qual se procede aqui.
O juiz brasileiro tem um Código de Ética, editado pelo CNJ e conjugado com a LOMAN, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar 35/1979), fruto do período autoritário, mas de recepção considerada válida pelo STF, após vigência da Constituição Cidadã.
Esse ordenamento é observado com inflexível rigidez pelas Corregedorias dos Tribunais, sob jugo não menos severo da Corregedoria Nacional, órgão do Conselho Nacional de Justiça.
Basta a leitura dos dispositivos incidentes sobre a conduta do julgador para a conclusão de que a virtude passa também a ser um dever legal, não fosse uma obrigação de conduta pessoal, tantas as exigências e deveres aos quais se obriga.
O comportamento pessoal de cada juiz pode servir, sim, como inspiração para a cidadania. Até porque, os raríssimos exemplos de desvio merecem repúdio e pronta apuração dos órgãos correcionais.
A Magistratura, não desconhece o articulista, é, antes de tudo, serva da Constituição e da lei. Sua matéria-prima é a fragilidade da espécie humana, que não honra os compromissos, não hesita em lesar o semelhante, imersa no egoísmo consumista e narcisista desta era turbulenta.
Incumbe à cidadania erigir o modelo de Justiça que entender mais adequado. A Magistratura, como é de sua vocação, continuará a cumprir, rigorosamente, a ordem fundante e seus consectários.
Como Instituição humana, padece de imperfeições, não as desconhece e procura aprimorar-se a cada dia. A Magistratura bandeirante é pluralista, democraticamente aberta a todas as concepções existenciais e em permanente dinamismo.
A contribuição da Academia para aperfeiçoar o sistema é imprescindível. Sua atribuição é a procura da verdade e a oferta, à cidadania que a sustenta, de receitas que saneiem ou atenuem os males que acometem todos os órgãos gregários. Inclusive a própria Academia, que não raro fornece ao Judiciário demandas que envolvem egos amplificados, corporativismo e outros vícios, que são mais fáceis de apontar no quintal alheio.
Dever-se-ia saber que a igualdade de tratamento é sempre de rigor. Sim, a igualdade entre os iguais. O mais elementar princípio de justiça, porém, manda que desiguais sejam tratados desigualmente.
O juiz é Órgão de um poder do Estado. Em suas mãos, o povo deposita a guarda de sua liberdade e de seus direitos. Atua a vontade da lei com independência e imparcialidade, fixando-lhe o pensamento.
Não se tem dúvida, reafirmo, de que a magistratura apresenta imperfeições que mereçam atenção e que os juízes são homens dotados de virtudes e defeitos. Mas não é possível, nem lícito, seja lá a que pretexto, a aniquilação moral de um poder legítimo e de profissionais sérios, probos, dignos e comprometidos com a causa pública.
É exatamente a intenção que emerge de textos tão violentos quanto concebidos sem mínimo compromisso e conhecimento, buscando a indigna desmoralização de um poder legítimo e de seus membros perante a sociedade.
É preciso respeito e consideração com o Judiciário, que o articulista claramente não tem e sequer o compreende, preferindo degradá-lo. Sua intenção, da forma como traz o debate, não busca o debate saudável, mas desmerecer e desmoralizar a justiça nacional, o que não se admite e se repele. O notável Edgard de Moura Bittencourt já dizia que a Liberdade só “vive onde as forças políticas deem força aos juízes e estes a utilizem para impor a justiça, através do direito que proclamam e que criam”. O mesmo em relação às forças da sociedade civil.
Geraldo Francisco Pinheiro Franco
Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo