Intérpretes que fizeram história

 

Exposição sobre interpretação simultânea no Tribunal de Nuremberg.

 

Após os horrores da 2ª Guerra Mundial, os Aliados se viram na necessidade de julgar as atrocidades perpetradas pela liderança nazista. Para restabelecer a primazia da Justiça, foi necessária a instalação de um Tribunal que julgasse as acusações de crimes de guerra, contra a paz e contra a humanidade. Além de quatro juízes principais (dos Estados Unidos, Reino Unido, União Soviética e França) e quatro alternados, acusação e defesa, o Tribunal de Nuremberg, a primeira corte criminal internacional da história, precisou do trabalho especializado de um tipo muito específico de profissional: os intérpretes. Ao possibilitarem a tradução em tempo real dos procedimentos judiciais, eles permitiram que os julgamentos fossem encerrados em tempo hábil, que os réus soubessem do que estavam sendo acusados e permitiram ao mundo acompanhar o julgamento.
Parte da história ocorrida no Palácio da Justiça de Nuremberg chega agora ao Palácio da Justiça de São Paulo. Para saber como os intérpretes desempenharam a elevada responsabilidade, muitos sob intenso sofrimento pessoal por serem judeus frente a frente com criminosos nazistas, o público pode visitar a exposição 1 julgamento, 4 línguas: os pioneiros da interpretação simultânea em Nuremberg. Organizada pela Associação Internacional de Intérpretes de Conferência no Brasil (AIIC Brasil) e pela Associação Profissional de Intérpretes de Conferência (Apic), a mostra traz a história de 36 pessoas que utilizaram seus conhecimentos de inglês, francês, russo e alemão para auxiliar a restabelecer o primado do Direito em relação à barbárie. “Eles foram verdadeiros pioneiros da interpretação simultânea, quando foi provado que um ser humano é, sim, capaz de ouvir em um idioma e falar ao mesmo tempo em outro”, declarou a presidente da Apic, Laura Mortara.
A exposição pode ser visitada até 10 de abril, de segunda a sexta-feira, das 13 às 17 horas, no Salão dos Passos Perdidos, hall de entrada do Palácio da Justiça (Praça da Sé, s/nº, 2º andar). A entrada é franca.
“Trazer a exposição para o Palácio da Justiça é reconhecer a importância do julgamento de Nuremberg e do sistema da interpretação simultânea para o cumprimento do devido processo legal e impossibilitar as pessoas de esquecerem o que aconteceu”, afirmou o presidente do TJSP, desembargador Ricardo Mair Anafe, na abertura da exposição.
“O Tribunal de Nuremberg reconheceu aos acusados a qualidade que negaram às respectivas vítimas; e por meio dos intérpretes, assegurou-lhes que se valessem do mecanismo linguístico que os constituía como homens – de forma a que pudessem ser julgados como tal”, destacou o desembargador Carlos Otávio Bandeira Lins.
O Tribunal terminou em 1º de outubro de 1946. Doze dos réus foram sentenciados à morte, três à prisão perpétua, quatro a penas de prisão que variaram entre 10 e 20 anos e três foram inocentados. Dois meses após o veredito, a Assembleia Geral das Nações Unidas reconheceu, por unanimidade, o julgamento e o Estatuto de Nuremberg como leis internacionais válidas. A Comissão de Direito Internacional da Organização das Nações Unidas (ONU) definiu um conjunto de princípios para guiar o desenvolvimento e a aplicação da lei criminal internacional, conhecidos como os “princípios-chave de Nuremberg”. São eles:
- Crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade são ofensas sob a lei internacional;
- Qualquer indivíduo, mesmo um líder de governo, que cometa um crime internacional pode ser responsabilizado judicialmente;
- A punição para crimes internacionais deve ser determinada por meio de um julgamento justo com base nos fatos e na lei;
- O autor de um crime internacional que agiu em obediência a ordens de seu superior, ainda assim, tem responsabilidade legal pelo crime cometido.
“Pouco depois dos julgamentos, a interpretação simultânea foi finalmente implementada na ONU e nos demais organismos internacionais, assumindo papel preponderante para o bom funcionamento dessas organizações”, contou a presidente da AIIC  Brasil, Fernanda Matias.
Com curadoria da intérprete alemã Elke Limberger-Katsumi, a mostra “1 Julgamento, 4 Línguas” é apresentada não apenas em português, mas também nos idiomas falados pelos pioneiros de Nuremberg. Com imagens, mesas-redondas, seminários e palestras presenciais e virtuais, seu conteúdo vai além do universo dos intérpretes e tradutores e é dirigido também a quem se interessa por História, Relações Internacionais, Economia, Direito e Direitos Humanos, Tecnologia e Cultura.

 

Conheça uma das tantas histórias pessoais que são contadas na mostra:
Armand Jacoubovitch
13 de junho de 1915 - Zurique, Suíça
20 de janeiro de 2015 - Genebra, Suíça

Armand Jacoubovitch, filho de uma família judia, cresceu em Estrasburgo e estudou literatura alemã na universidade local. Em 1942, seus pais, Léon e Augustine Jacoubovitch, foram deportados e mortos em Auschwitz. Armand conseguiu fugir para o sul da França, onde trabalhou para o exército francês até sua origem judia ser descoberta. Depois sobreviveu trabalhando, entre outros, como ajudante de colheita, até chegar à Suíça por diversas rotas de fuga.
Ficou detido em vários campos de refugiados (Wald, Arisdorf) durante a guerra, até autorizarem que iniciasse uma formação de intérprete na Ecole d’lnterprêtes de Genàve (EIG).
Em 22 de agosto de 1945, deixou Genebra e foi para Paris, onde foi recrutado pelo Ministério da Justiça francês para interpretar no tribunal de Nuremberg. No início, devia auxiliar o juiz francês Donnedieu de Vabre, depois passou para a cabine francesa, como intérprete simultâneo. Depois de sofrer um colapso na sala do tribunal durante o depoimento de Góring, teve de permanecer no Departamento de Tradução Escrita por algum tempo. Apesar de não querer que o incidente se tornasse público, um jornalista escreveu a respeito, com a melhor das intenções, no jornal Berliner Zeitung a fim de chamar a atenção para a tarefa extremamente dura e desumana que ele e seus colegas tinham de enfrentar.
Embora fosse bastante reservado, era estimado pelos colegas. Stefan Priacel, com quem manteve amizade após o julgamento, escreveu o seguinte a seu respeito: “um excelente intérprete e um colega encantador ao qual devo muito”.
Armand Jacoubovitch continuou a interpretar, mas como sua neta relatou, mais tarde, no livro dedicado a ele, “A Fifty-Year Silence” (Cinquenta Anos de Silêncio), o conteúdo do processo alterou toda a sua vida. Na ocasião em que os filmes angustiantes do exército americano sobre a libertação dos campos de concentração foram exibidos pela primeira vez, coube a ele traduzir simultaneamente. Era obrigado a articular em voz alta os crimes descritos nos depoimentos, crimes esses que também tinham sido perpetrados contra seus familiares.
Aos 30 anos de idade, estava trabalhando, solitário e tímido, “em uma cidade destruída pelas bombas, no antigo território inimigo”, confrontado com uma tarefa extremamente exigente, vendo e ouvindo todas as atrocidades que, na época, eram absolutamente inconcebíveis para o mundo inteiro. Sua esposa o deixou logo após o julgamento, levando os filhos, pois essas experiências o tinham tornado duro, mudo e fechado, ou seja, incapaz de levar uma vida normal em família.
No início, continuou a trabalhar como intérprete, depois foi diplomata nas Nações Unidas, em Genebra. Entre seus amigos estão os escritores Carl Zuckmayer e Ludwig Hohl.

 

Serviço
Exposição 1 julgamento, 4 línguas: os pioneiros da interpretação simultânea em Nuremberg
Local: Palácio da Justiça - Praça da Sé, s/nº - 2º andar - Salão dos Passos Perdidos
Horário: de segunda a sexta-feira, das 13 às 17 horas
Até 10 de abril
Entrada gratuita

Comunicação Social TJSP – TM (texto) / AD (arte)
imprensatj@tjsp.jus.br

 
 

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