Pela primeira vez, o Supremo Tribunal Federal (STF) analisa a repercussão geral de recurso extraordinário interposto contra julgamento de mérito em incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR). Trata-se do RE 1293453, de relatoria do ministro presidente, cujo julgamento foi iniciado em 26/2 e se encerra nesta quinta-feira (18).
O recurso discute o direito do ente municipal ao produto da arrecadação do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), incidente sobre rendimentos pagos, a qualquer título, pelo município, por suas autarquias e fundações, incluindo-se o pagamento de rendimentos a pessoas físicas e jurídicas, em razão do fornecimento de bens ou serviços. Essa previsão está no artigo 158, inciso I, da Constituição Federal (CF).
No caso concreto, o juízo da 1ª Vara Federal de Novo Hamburgo (RS) concedeu liminar para suspender a exigibilidade, relativamente à União, do IRRF incidente sobre pagamentos efetuados pelo município a pessoas que não se enquadrem como servidores e empregados públicos.
Ao julgar o caso, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) fixou a tese no âmbito regional de que o dispositivo constitucional define a titularidade municipal das receitas arrecadadas a título de imposto de renda retido na fonte, incidente sobre valores pagos pelos municípios, a pessoas físicas ou jurídicas contratadas para a prestação de bens ou serviços. O RE foi interposto pela União contra essa decisão.
Suspensão nacional
Em 2018, a então presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, nos autos da Petição (PET) 7001, determinou a suspensão, em todo o território nacional, das decisões de mérito que envolvam a interpretação do artigo 158, inciso I, da CF, em processos individuais ou coletivos. Ela determinou ainda que a petição fosse reatuada como Suspensão Nacional do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (SIRDR) 1, ou seja, a primeira a tramitar no Supremo.
Sistema de precedentes
Em sua manifestação pela existência de repercussão geral da questão constitucional discutida, o ministro Luiz Fux ressaltou que o RE se destaca de outros até então submetidos ao Plenário Virtual por se tratar do primeiro recurso extraordinário interposto contra julgamento de mérito em incidente de resolução de demandas repetitivas, para análise do requisito da repercussão geral.
“Nesse sentido, destaco a relevância do caso em questão também sob o aspecto processual, em virtude de sua tramitação qualificada na origem por meio do IRDR, ferramenta processual brasileira, conciliada com ideais mundiais, que insere os juízes de primeira instância e os tribunais de segunda instância na participação efetiva da formação de precedentes vinculantes nesta Suprema Corte e no Superior Tribunal de Justiça”, apontou.
Para o ministro Luiz Fux, a solução da controvérsia, mediante o regime de precedentes qualificados, é essencial para garantir uniformidade, isonomia e coerência da jurisprudência constitucional e dar previsibilidade aos jurisdicionados, com a consequente diminuição das demandas massificadas.
Repercussão geral
O presidente do STF apontou que a matéria discutida possui densidade constitucional suficiente para o reconhecimento da existência de repercussão geral. Segundo ele, é preciso definir o alcance da expressão “a qualquer título” do artigo 158, inciso I, da CF, considerando a possibilidade de se incluir, nessa definição, o IRRF referente aos rendimentos pagos pelo município, ou por suas autarquias e fundações, a pessoas físicas e jurídicas contratadas para prestação de bens ou serviços. A União alega que a norma se aplicaria unicamente aos proventos decorrentes de vínculos laborais estatutário (servidores públicos) ou celetista (empregados públicos).
O ministro Luiz Fux destacou ainda que o assunto possui potencial impacto em outros casos, tendo em vista a grande quantidade de municípios brasileiros a serem beneficiados pela fonte de receita, caso mantida a tese fixada pelo TRF-4, destacando que tramitam no STF ações cíveis originárias que discutem o mesmo tema.
“Configura-se, assim, a relevância da matéria sob as perspectivas social, econômica e jurídica (artigo 1.035, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil), bem como a transcendência da questão cuja repercussão geral ora se submete ao escrutínio desta Suprema Corte. Nesse sentido, tenho que a controvérsia constitucional em apreço ultrapassa os interesses das partes, avultando-se relevante do ponto de vista econômico, político, social e jurídico”, concluiu.
Segurança jurídica
Em virtude da segurança jurídica, o presidente do Supremo recomendou a manutenção da suspensão nacional determinada na SIRDR 1 até decisão final do RE ou revogação expressa posterior, a abranger atos decisórios de mérito de controvérsia constante de todos os processos, individuais ou coletivos, em curso no território nacional, que versem sobre a questão, mantendo-se a possibilidade jurídica de adoção dos atos e das providências necessárias à instrução das causas instauradas ou que vierem a ser ajuizadas e do julgamento dos eventuais pedidos distintos e cumulativos deduzidos.
IRDR
O incidente de resolução de demandas repetitivas foi inserido no Direito brasileiro pelo Código de Processo Civil (CPC) de 2015 como medida de eficiência da gestão de processos pelo Poder Judiciário, inspirado na experiência estrangeira de institutos processuais de uniformização da prestação jurisdicional pela coletivização de demandas individuais.
RP/EH//SGPr
Fonte: Supremo Tribunal Federal