Em julgamento de recurso especial, sob o rito dos recursos repetitivos (artigo 543-C do Código de Processo Civil), a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu qual deve ser o critério utilizado para estabelecer a proporcionalidade do grau de invalidez nas indenizações pagas pelo seguro obrigatório a vítimas de acidentes de trânsito (DPVAT), em sinistros ocorridos antes da vigência da Medida Provisória 451/08.
Com a edição da Medida Provisória 451, convertida na Lei 11.945/09, foi incorporada ao texto legal uma tabela para cálculo de invalidez permanente. Antes disso, a indenização era disciplinada pela Lei 6.194/74, que, para os casos de invalidez permanente, previa o pagamento de até 40 vezes o valor do maior salário mínimo vigente no país.
O dispositivo, contudo, não definia a forma de cálculo da indenização, havendo apenas a afirmação genérica de que caberia ao Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) expedir normas disciplinadoras para atender ao disposto na lei.
Aplicação controversa
Em 1992, houve uma alteração na Lei 6.194, decorrente da Lei 8.441/91, que definiu que a proporcionalidade da indenização seria calculada com base na tabela das condições gerais de seguro de acidente suplementada, e, nas restrições e omissões desta, na tabela de acidentes do trabalho e na classificação internacional das doenças.
Como essas tabelas não estão previstas em lei, a aplicação da norma gerou controvérsia na jurisprudência. Muitas decisões, em vez de aplicar o disposto nas tabelas, deixavam a critério do juiz fixar a indenização cabível, sem ultrapassar, contudo, o parâmetro máximo de 40 salários mínimos fixados pela Lei 6.194.
Em 2006, a Medida Provisória 340, convertida na Lei 11.482/07, alterou novamente a Lei 6.194. Foi eliminada a vinculação da indenização ao salário mínimo e estabelecido o teto máximo de R$ 13.500,00. Em relação aos critérios para apuração da proporcionalidade da invalidez, entretanto, não houve novidade.
Só em 2008, com a edição da Medida Provisória 451, convertida na Lei 11.945, é que foi inserida na Lei 6.194 uma tabela sobre o cálculo proporcional da indenização, mas ainda restaram dúvidas sobre que entendimento aplicar aos sinistros ocorridos antes da vigência da norma.
Tabelas válidas
O recurso representativo da controvérsia foi interposto pela Sul América Companhia Nacional de Seguros S/A, em relação a um sinistro ocorrido em 19 de maio de 1989. Houve pagamento administrativo, com base na tabela do CNSP, mas o juízo de primeiro grau, entendendo que a tabela não teria amparo legal, condenou a seguradora a pagar a indenização em seu patamar máximo, de 40 salários mínimos.
A sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). Segundo o acórdão, “a Lei 6.194, que regulamenta o seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre, é norma de hierarquia superior àquelas expedidas pelos órgãos de controle e fiscalização do mercado de seguro”.
No STJ, o relator do recurso, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, afirmou que a declaração de invalidade da tabela do CNSP não seria a melhor solução para a controvérsia. Segundo ele, “a ausência de percentuais previamente estabelecidos para os cálculos da indenização causaria grande insegurança jurídica, uma vez que o valor da indenização passaria a depender exclusivamente de um juízo subjetivo do magistrado”.
Sanseverino acrescentou também que a competência normativa do CNSP, atribuída pelo Decreto-Lei 73/66, ainda está em vigor, uma vez que a sua revogação depende da edição de lei complementar reguladora do sistema financeiro nacional, o que ainda não ocorreu.
“Seja pelo fundamento da razoabilidade, seja pelo fundamento jurídico formal, torna-se necessário reconhecer a validade da utilização das tabelas do CNSP para o cálculo da indenização proporcional”, disse.
Orientação jurisprudencial
“Embora a regra seja a utilização das tabelas, nada obsta que o magistrado, diante das peculiaridades de um caso concreto, fixe a indenização segundo outros critérios, a exemplo do que fez esta Corte Superior, num julgamento que envolvia indenização pela perda do baço, hipótese não prevista nas tabelas do CNSP”, acrescentou Sanseverino.
A Turma, por unanimidade, confirmou a validade da utilização da tabela do CNSP para estabelecer a proporcionalidade entre a indenização e o grau de invalidez, na hipótese de sinistros anteriores a 16 de dezembro de 2008. A decisão vai orientar as demais instâncias da Justiça sobre como proceder em casos idênticos, evitando que recursos que sustentem posições contrárias cheguem ao STJ.
No caso da Sul América, o relator reconheceu que o acórdão recorrido estava em dissonância com o entendimento expresso em seu voto e deu provimento ao recurso, mas o pedido de novo cálculo foi julgado improcedente, uma vez que já houve pagamento na via administrativa, com base na tabela do CNSP.
Fonte: Superior Tribunal de Justiça