STF - 1. 1ª Turma afasta prisão preventiva de acusados da prática de aborto - A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) afastou a prisão preventiva de E.S. e R.A.F., denunciados pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro pela suposta prática do crime de aborto com o consentimento da gestante e formação de quadrilha (artigos 126 e 288 do Código Penal). A decisão foi tomada nesta terça-feira (29) no julgamento do Habeas Corpus (HC) 124306. De acordo com o voto do ministro Luís Roberto Barroso, que alcançou a maioria, além de não estarem presentes no caso os requisitos que autorizam a prisão cautelar, a criminalização do aborto é incompatível com diversos direitos fundamentais, entre eles os direitos sexuais e reprodutivos e a autonomia da mulher, a integridade física e psíquica da gestante e o princípio da igualdade. Após a prisão em flagrante, o juízo de primeiro grau deferiu a liberdade provisória aos acusados, considerando que as infrações seriam de médio potencial ofensivo e com penas relativamente brandas. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), porém, acolheu recurso do MPRJ e decretou a prisão preventiva, mantida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em 2014, o relator do HC no Supremo, ministro Marco Aurélio, deferiu cautelar para revogar a prisão, posteriormente estendida aos demais corréus. No HC, a defesa alegou não estarem presentes os requisitos necessários para a decretação da prisão preventiva, porque os réus são primários, com bons antecedentes e com trabalho e residência fixa em Duque de Caxias (RJ). Sustentou também que a medida seria desproporcional, pois eventual condenação poderia ser cumprida em regime aberto. O mérito do pedido começou a ser julgado em agosto, quando o ministro Marco Aurélio votou pela concessão do HC, confirmando sua liminar. Segundo o relator, a liberdade dos acusados não oferece risco ao processo, “tanto que a instrução criminal tem transcorrido normalmente”, com o comparecimento de todos à última audiência de instrução e julgamento, em agosto de 2015, quando já estavam soltos. Na ocasião, houve pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso. Na sessão desta terça-feira, o ministro Barroso apresentou seu voto-vista no sentido do não conhecimento do HC, por se tratar de substitutivo de recurso, mas pela concessão da ordem de ofício, estendendo-a aos corréus. Os ministros Edson Fachin e Rosa Weber acompanharam esse entendimento e o ministro Luiz Fux concedeu o HC de ofício, restringindo-se a revogar a prisão preventiva. Voto-vista No exame da questão, o ministro Barroso assinalou que, conforme já havia assinalado o relator, o decreto de prisão preventiva não apontou elementos individualizados que demonstrem a necessidade da custódia cautelar ou de risco de reiteração delitiva pelos pacientes e corréus, limitando-se a invocar genericamente a gravidade abstrata do delito de “provocar aborto com o consentimento da gestante”. Ressaltou, porém, outra razão que o levou à concessão da ordem. Barroso destacou que é preciso examinar a própria constitucionalidade do tipo penal imputado aos envolvidos. “No caso aqui analisado, está em discussão a tipificação penal do crime de aborto voluntário nos artigos 124 e 126 do Código Penal, que punem tanto o aborto provocado pela gestante quanto por terceiros com o consentimento da gestante”, observou. Para o ministro, o bem jurídico protegido (a vida potencial do feto) é “evidentemente relevante”, mas a criminalização do aborto antes de concluído o primeiro trimestre de gestação viola diversos direitos fundamentais da mulher, além de não observar suficientemente o princípio da proporcionalidade. Entre os bens jurídicos violados, apontou a autonomia da mulher, o direito à integridade física e psíquica, os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, a igualdade de gênero – além da discriminação social e o impacto desproporcional da criminalização sobre as mulheres pobres. Advertiu, porém, que não se trata de fazer a defesa da disseminação do procedimento – “pelo contrário, o que se pretende é que ele seja raro e seguro”, afirmou. “O aborto é uma prática que se deve procurar evitar, pelas complexidades físicas, psíquicas e morais que envolve. Por isso mesmo, é papel do Estado e da sociedade atuar nesse sentido, mediante oferta de educação sexual, distribuição de meios contraceptivos e amparo à mulher que deseje ter o filho e se encontre em circunstâncias adversas”. Para o ministro, é preciso conferir interpretação conforme a Constituição aos artigos 124 a 126 do Código Penal – que tipificam o crime de aborto – para excluir do seu âmbito de incidência a interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre. Como o Código Penal é de 1940 – anterior à Constituição, de 1988 – e a jurisprudência do STF não admite a declaração de inconstitucionalidade de lei anterior à Constituição, o ministro Barroso entende que a hipótese é de não recepção. “Como consequência, em razão da não incidência do tipo penal imputado aos pacientes e corréus à interrupção voluntária da gestação realizada nos três primeiros meses, há dúvida fundada sobre a própria existência do crime, o que afasta a presença de pressuposto indispensável à decretação da prisão preventiva”, concluiu.
2. Ministra alerta contra tentativas de cerceamento da atividade de juízes - “Os juízes brasileiros tornaram-se permanente alvo de ataques, de tentativa de cerceamento de sua atuação constitucional e, pior, busca-se mesmo criminalizar seu agir”. O alerta foi feito pela presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, ministra Cármen Lúcia, na manhã desta terça-feira (29) após a abertura da Sessão Extraordinária do CNJ. “Julgar é ofício árduo. Mas é imprescindível para se viver sem que a vingança prevaleça. Sem que o mais forte imponha sua vontade e seu interesse ao mais fraco”, afirmou. “Confundir problemas, inclusive os remuneratórios, que dispõem de meios de serem resolvidos, com o abatimento da condição legítima do juiz, é atuar contra a democracia, contra a cidadania que demanda justiça, contra o Brasil que lutamos por construir”. Segundo Cármen Lúcia, “juiz sem independência não é juiz; é carimbador de despachos, segundo interesses particulares, e não garante direitos fundamentais segundo a legislação vigente”. Sem citar nomes, ela repudiou a imputação de “todas as mazelas a um corpo profissional da Justiça que, como todo humano, sujeita-se a erros, sim, mas não tem neles a sua marca dominante, que é hoje a do trabalho”. “Desmoraliza-se, enfim, a instituição e seus integrantes, para não se permitir que o juiz julgue, que as leis prevaleçam e que a veracidade de erros humanos seja apurada, julgada e punida, se for o caso”, alertou. A presidente do STF e do CNJ encerrou seu pronunciamento defendendo a autonomia e independência dos poderes: “Todos nós estamos aqui trabalhando para um país mais justo, mais democrático para todos os brasileiros, e atuando rigorosamente segundo as leis do país, que juramos cumprir. Nós vamos continuar a agir dessa forma. E esperamos muito que todos os poderes da República atuem desse jeito, respeitando-nos uns aos outros e, principalmente, buscando um Brasil melhor para todo mundo”. Lei abaixo a íntegra do pronunciamento: Judiciário e Democracia Cármen Lúcia Antunes Rocha Julgar é ofício árduo. Mas é imprescindível para se viver sem que a vingança prevaleça. Sem que o mais forte imponha sua vontade e seu interesse ao mais fraco. A superação da barbárie dá-se pela substituição do desejo animalesco de vingança pelo busca de realização da justiça. A estrutura do poder judiciário é feita por humanos. E como próprio do humano, é imperfeita. Mas desde a concepção democrática do princípio da independência e harmonia dos poderes estatais, o Judiciário tem cumprido o papel de esteio da democracia. Tanto parecia princípio aceito socialmente na forma acolhida constitucionalmente. Fico a pensar se me enganei ao crer que os quase noventa milhões de processos em tramitação em curso no Brasil demonstrariam a opção da sociedade pela Justiça ao invés de se palmilhar o caminho da barbárie. Numa inegável concertação, a palavra justiça toma conta dos noticiários, dos textos romanceados, de programas de entretenimento, domina o cenário, mas os juízes brasileiros tornaram-se permanente alvo de ataques, de tentativa de cerceamento de sua atuação constitucional e, pior, busca-se mesmo criminalizar seu agir, restabelecendo-se até mesmo o que já foi apelidado de “crime de hermenêutica”. Juiz sem independência não é juiz; é carimbador de despachos segundo interesses particulares, não garantidor de direitos fundamentais segundo a legislação vigente. Juiz sem independência tem de vocacionar-se a mártir para ser imparcial. Porque ser imparcial impõe compromisso ético intangível e responsabilidade funcional integral. Pergunto-me, com o Judiciário que a Constituição instituiu para o Brasil, com juízes buscando desesperadamente aperfeiçoar-se, com um Conselho Nacional de Justiça composto por membros dos poderes da República, do Ministério Público e da sociedade civil, que Judiciário o Brasil quer ter. Ou qual Judiciário algumas pessoas querem que o País tenha. Ou mesmo se querem ter um Judiciário, com os princípios de imparcialidade, independência e autonomia. Se é desejável socialmente a democracia, é impossível – como demonstrado historicamente – recusar-se o Judiciário como estrutura autônoma e independente do Poder do Estado nacional. Não há democracia sem Judiciário. E o Judiciário somente cumpre o seu papel constitucional numa democracia. Toda ditadura começa rasgando a Constituição (ainda que sob várias formas, incluídas as subliminares de emendas mitigadoras das competências e garantias dos juízes), amordaçando os juízes (no Brasil, chegou-se à cassação de três ministros do Supremo Tribunal Federal que desagradavam os donos de poder de plantão), imputam-se todas as mazelas a um corpo profissional que, como todo humano, sujeita-se a erros, mas não tem neles a sua marca dominante, que é a do trabalho, desmoraliza-se, enfim, a instituição e seus integrantes, para não se permitir que o juiz julgue, que as leis prevaleçam e que a verdade de erros humanos sejam apurados, julgados e punidos, se for o caso. Somente na semana passada, dedicada à conciliação e à mediação entre conflitos, foram realizadas no Brasil quase 420.000 audiências. Trabalharam os juízes e conciliadores até a meia noite para atender as demandas dos cidadãos. Nada disso é sequer mencionado para informação dos cidadãos. Criminalizar a jurisdição é fulminar a democracia. Há de se perguntar a quem interessa. Não ao povo, certamente. Não aos democratas, por óbvio. Confundir problemas, incluídos os remuneratórios, que dispõem de meios de serem resolvidos e serão, com o abatimento da condição legítima do juiz, é atuar contra a democracia, contra a cidadania que demanda justiça, contra o Brasil que lutamos por construir. Ensinava Ruy Barbosa que “nenhum tribunal, no aplicar da lei, incorre, nem pode incorrer, em responsabilidade, senão quando sentencia contra as suas disposições literais, ou quando se corrompe, julgando sob a influencia de peita ou suborno. ... Fora daí não há justiça, não há magistratura, não há tribunais. ...Quem quer que saiba, ao menos em confuso, dessas coisas, não ignorará que todos os juízes deste mundo gozam, como juízes, pela natureza essencial a suas funções, do benefício de não poderem incorrer em responsabilidade pela inteligência que derem às leis de que são aplicadores” (BARBOSA, Ruy – O STF na Constituição. In Escritos e Discursos Seletos. Rio de Janeiro: Gallimard, 1997, p. 557) Justiça não é luxo, é necessidade primária para se viver com o outro. Conviver põe conflitos; viver em paz impõe Justiça. Não somos, os juízes, senão humanos tentando muito acertar segundo a Constituição e as leis que nos são impostas. Desconstruir-nos interessa a quem? Enfraquecer-nos objetiva o que? Afinal, que Brasil temos e que Brasil queremos ter? Com CNJ Agência de Notícias
STJ - 3. Judiciário investe na qualificação para julgar ações que discutem direito à saúde, afirma Humberto Martins- O Poder Judiciário tem investido na qualificação de servidores e magistrados para lidar com problemas complexos, como ações judiciais que discutem o direito à saúde. A afirmação é do vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins, ao participar na última sexta-feira (25) da abertura da Câmara de Conciliação de Saúde do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), em Salvador. Criada pelo Comitê Executivo Estadual de Saúde, a câmara tem como objetivo solucionar conflitos por meio da conciliação, para evitar a judicialização de questões ligadas à saúde. Também é possível que um magistrado encaminhe as partes de uma disputa judicial para tentar a conciliação. Inicialmente, a câmara vai receber pedidos de fornecimento gratuito de medicamentos por parte do estado e do município de Salvador para moradores da capital baiana usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), sem que seja preciso recorrer ao Judiciário. No discurso, ao lado do governador da Bahia, Rui Costa, e da presidente do TJBA, Maria do Socorro Barreto Santiago, Humberto Martins fez um histórico sobre a afirmação constitucional do direito à saúde. O ministro salientou que o STJ foi criado pela Constituição Federal de 1988 como solução para resolver a “crise do recurso extraordinário”. “Os primeiros julgados do Superior Tribunal de Justiça já examinavam a nova forma do direito à saúde”, salientou Humberto Martins, ao lembrar o julgamento de um caso envolvendo o antigo Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps). O ministro afirmou que, nos últimos anos, houve uma “visível modificação do padrão de demandas judiciais” relacionadas com a expansão da cobertura e complexidade do SUS. O vice-presidente salientou que a jurisprudência do STJ evoluiu para reconhecer o direito à saúde em prestações positivas por parte do Estado, como em ações judiciais que pedem o fornecimento de medicamentos ou de tratamentos de saúde. Regularidade Humberto Martins citou precedentes recentes do STJ em cada tipo de conflito, salientando que “o Tribunal da Cidadania manteve uma regularidade na interpretação do direito à saúde ao longo dos vários anos”. O ministro destacou um recurso especial, julgado pela Primeira Seção do STJ, sob o rito processual dos repetitivos, para disciplinar o bloqueio de verbas públicas para custear medicamentos. “O ponto nodal do processo foi indicar que os magistrados de primeira instância podem utilizar o bloqueio de verbas públicas se as condições fáticas do processo indicarem que a demora poderá trazer risco à parte. Deve ser verificado que a questão não é mais a existência ou não de um direito à saúde. A questão central é aferir como deve se dar a sua efetivação”, afirmou. Martins ressaltou também julgados do STJ sobre a responsabilidade solidária dos entes federados (União, estados, Distrito Federal e municípios) e prestadores privados no SUS. Outro entendimento firmado pelo STJ diz respeito à legitimidade do Ministério Público para postular direito individual à saúde. Linguagens Para o ministro, uma das dificuldades está nas linguagens técnicas utilizadas por médicos e magistrados. “Assim, é razoável entender que um jurista terá dificuldade de lidar com laudos médicos, assim como os médicos terão dificuldade de lidar com a linguagem especializada do direito”, comparou o ministro, ao defender a qualificação de servidores e magistrados. “Esse é o caminho necessário para melhorar qualitativamente a prestação jurisdicional ofertada aos cidadãos. A ação dos órgãos administrativos do sistema brasileiro de Justiça – como o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho da Justiça Federal – deve se pautar pelo planejamento em prol da melhoria da atuação dos vários órgãos jurisdicionais”, concluiu.
4. Suspensos processos que discutem prazo de decadência para pedido de reconhecimento ao direito adquirido a benefício mais vantajoso - A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a suspensão, em todo o país, dos processos que discutem se o prazo decadencial de dez anos é ou não aplicável em caso de reconhecimento do direito adquirido ao benefício previdenciário mais vantajoso. A suspensão vale até o julgamento dos Recursos Especiais 1.612.818 e 1.631.021, sob o rito dos repetitivos. Devido à multiplicidade de demandas que questionam a incidência do prazo decadencial, o ministro Mauro Campbell Marques suscitou questão de ordem para propor a afetação do tema para o rito dos repetitivos. A decisão segue a nova sistemática adotada pelo STJ para a afetação de recursos, que passa a depender de votação colegiada, conforme determinado pela Emenda Regimental 24. Direito adquirido O ministro lembrou que o STJ já se pronunciou sobre outras questões semelhantes, como a incidência de prazo decadencial para a revisão de benefício (Tema 544 dos repetitivos), mas ainda não se pronunciou sobre os casos de direito adquirido. O novo tema a ser submetido a decisão no rito dos repetitivos é o seguinte: “A incidência ou não do prazo decadencial previsto no caput do artigo 103 da Lei 8.213/91 para reconhecimento de direito adquirido ao benefício previdenciário mais vantajoso.” Segundo Mauro Campbell Marques, a controvérsia não envolve casos de pedidos de revisão de benefício, mas discussões acerca de direito adquirido incorporado ao patrimônio jurídico do trabalhador segurado. A Primeira Seção determinou a comunicação da afetação – e da consequente suspensão dos processos – aos tribunais de segunda instância, bem como ao Ministério Público Federal e à Turma Nacional de Uniformização. Recursos repetitivos O novo Código de Processo Civil (CPC/2015) regula nos artigos 1.036 a 1.041 o julgamento por amostragem, mediante a seleção de recursos especiais que tenham controvérsias idênticas. Ao afetar um processo, ou seja, encaminhá-lo para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, os ministros facilitam a solução de demandas que se repetem nos tribunais brasileiros. A possibilidade de aplicar o mesmo entendimento jurídico a diversos processos gera economia de tempo e segurança jurídica. No site do STJ, é possível acessar todos os temas afetados, bem como saber a abrangência das decisões de sobrestamento e as teses jurídicas firmadas nos julgamentos, entre outras informações.