A participação da mulher no contexto político nacional constitui uma das maiores vitórias do feminismo no Brasil, liderado por Bertha Lutz, fundadora da liga para a Emancipação Intelectual da Mulher (1919), mais tarde substituída pela Federação Brasileira para o Progresso Feminino.
O voto feminino, porém, já era objeto de cogitação no alvorecer da República, como recorda M. F. Pinto Pereira, com longa apreciação do debate travado em torno do assunto, no seio da Assembléia Geral Constituinte (cf. “A Mulher no Brasil”, ed. 1916, págs. 131-148).
Esse ideal feminista somente se concretizou através da Revolução de 30, com a edição do Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932 que criava a Justiça Eleitoral, entre outras providências, e ampliava o corpo político da Nação, para incluir, no contingente dos eleitores, as mulheres, embora dispensadas da obrigação de alistamento e do voto, exceto aquelas que exerciam função pública remunerada, como constou, aliás, da Constituição Federal de 1934 (art. 109).
A presença feminina, nos pleitos eleitorais, já foi objeto de adequado exame na edição anterior desta coluna, cabendo alguns aditamentos, àquela matéria, no que respeita à Justiça Eleitoral, que na expressão do Min. Edgard Costa, “passou a ser uma das garantias, senão a maior, da verdade eleitoral” (cf. A Legislação Eleitoral Brasileira, Rio de Janeiro, 1964).
As pioneiras
A participação do eleitorado feminino no Brasil, com abstração de alguns episódios isolados no nordeste (v.g. Alzira Soriano, eleita prefeita, em 1929, no Estado do Rio Grande do Norte), alcançou notável relevo nas eleições para a Constituinte de 34, cujo corpo de deputados contou com uma única mulher, a médica Carlota Pereira de Queiroz (1892-1982), que se viu eleita na legenda da “Chapa Única por São Paulo Unido”.
Essa notável líder feminista empossada em 1933, participou ativamente dos trabalhos da Constituinte, integrando a Comissão de Saúde e Educação, sendo a autora do projeto de lei sobre a criação de serviços sociais, entre outros projetos. Novamente eleita deputada federal, no pleito de outubro de 1934, pelo Partido Constitucionalista de São Paulo, permaneceu na Câmara até novembro de 1937, quando se implantou no País, o famigerado “Estado Novo”.
Bertha Lutz, apesar de seu enorme prestígio junto ao eleitorado feminino, obteve apenas a primeira suplência nesse sufrágio, como candidata pela “Liga Eleitoral Independente”, tendo assumido a cadeira de deputada na Câmara Federal em junho de 1936, devido a morte do titular, Cândido Pereira. Sua atuação parlamentar concentrou-se na mudança da legislação referente ao trabalho da mulher e do menor, com vistas às melhorias de seus salários, além da isenção do serviço militar, licença de 3 meses para a gestante e a redução da respectiva jornada de trabalho.
Após o fechamento das casas legislativas, em razão da implantação da Ditadura em novembro de 1937, Bertha Lutz ocupou importantes cargos públicos, entre os quais a chefia do setor de botânica do Museu Nacional, onde se viu aposentada compulsoriamente em 1964. Faleceu no Rio de Janeiro no dia 16 de setembro de 1976, aos oitenta e dois anos de idade (cf. “Dicionário Mulheres do Brasil”, organizado por Schuma Schumaher e Érico Vital Brazil, Jorge Zahar Editor, págs. 106/112).
As paulistas
No âmbito estadual, lograram eleger-se à Assembléia Constituinte de São Paulo (1935) duas mulheres: Maria Thereza Silveira de Barros Camargo e Maria Teresa Nogueira de Azevedo.
Ligada ao Partido Constitucionalista, no pleito de 34, Maria Teresa Nogueira de Azevedo, paulista de Campinas, fundou a Associação Cívica Feminina da Capital, tendo participado, durante os trabalhos da Constituinte, das comissões de Saúde Pública e Assistência Social.
Contudo, por não ter sido reeleita, no pleito de 36, à Assembléia Legislativa, antecipou-se ao término de seu mandato e renunciou ao cargo, alegando motivos de ordem particular.
Sua xará, Maria Thereza, também professora, nasceu na cidade de Piracicaba (1894), sendo neta do ex-Presidente Prudente de Moraes.
Foi em Limeira, onde o marido de Maria Thereza, dr. Trajano, possuía importante fábrica de Máquinas de Beneficiar Café, que se concentrou a atuação política dessa mulher, que ela exerceu na Prefeitura Municipal da mesma cidade, em 1934, por designação do Interventor Federal Armando de Salles Oliveira. Faleceu em 1975, em São Paulo, deixando numerosa descendência.
Uma deputada aguerrida
A terceira mulher a ocupar um cargo eletivo na Assembléia Legislativa Estadual foi Maria da Conceição da Costa Neves. Sua eleição verificou-se com a reabertura das casas legislativas, após o longo hiato da ditadura de Getúlio Vargas, como a única mulher na Assembléia Constituinte de 1947, então presidida pelo deputado Valentim Gentil.
Mineira de Juiz de Fora, onde nasceu a 17 de outubro de 1908, Conceição da Costa Neves, como era conhecida nos meios políticos, foi atriz de comédia sob o nome de “Regina Maura” e monitora da escola da Cruz Vermelha Brasileira e diretora dessa mesma entidade assistencial, no período da guerra, de 1939 a 1945.
Fundou, em 1946, a Associação Paulista de Assistência ao Doente de Lepra, instituição pioneira no Brasil, e quiçá no mundo, dedicando-se a trabalhos de assistência ao egresso do sanatório da lepra e a família do hanseniano.
Na Assembléia Legislativa, Conceição da Costa Neves viu-se reeleita inúmeras vezes, chegando a exercer a 1ª Vice-Presidência da Casa em 1958-1962, ocupando a Presidência da Comissão de Finanças e Orçamentos, durante quatro anos e integrando a Comissão de Redação, por sete anos.
Publicou em 1970 o livro de poemas “Na esquina do Mundo”, seguindo-se depois, em 1984, uma coletânea de versos, denominado “Na praça da Vida”, e sua própria biografia, “Rua sem Fim”, em 1984.
Recebeu inúmeras condecorações, inclusive no Exterior, tendo falecido no dia 15 de julho de 1989, nesta Capital.
Emeric Lévay – Foi Desembargador Coordenador do Museu do Tribunal de Justiça de São Paulo, Professor de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie - Membro da Academia Paulista de História - do Conselho Estadual de Honrarias e Mérito e Sócio-titular do I.H.G.S.P.